9.05.2006

DIÁRIO DE UM DONO DE CASA



Porque se queixarão as mulheres das lides domésticas se basta um pouco de organização?

Segunda-feira

Sozinho em casa.
A minha mulher foi passar a semana fora.
Ora aí está uma excelente mudança.
Vamos passar uma semana inesquecível, o cão e eu.
Delineei um programa e organizei o meu horário.
Sei exactamente a que horas me levantar, quanto tempo demoro na casa de banho e a preparar o pequeno-almoço.
Acrescentei o número de horas de que preciso para lavar a loiça, fazer limpezas, passear o cão, ir às compras e cozinhar.
Fiquei agradavelmente surpreendido com o muito tempo livre que ainda terei.
Não percebo porque é que as mulheres se queixam da lida da casa se tudo isso exige tão pouco tempo.
O segredo está numa boa organização.
O cão e eu comemos um bife cada um ao jantar. Vesti-me a rigor, acendi uma vela e pus rosas numa jarra para criar uma atmosfera aprazível.
O cão comeu paté de foi-gras como entrada, repetiu a dose como prato principal, com uma requintada guarnição de legumes e biscoitos à sobremesa.
Eu bebi vinho e fumei um charuto. Há muito que não me sentia tão bem.

Terça-feira

Tenho de dar uma olhadela ao meu horário. Uns pequenos acertos.
Expliquei ao cão que não se pode ter festa todos os dias e que por isso, não pode estar à espera de entradas e três tigelas de comida, que é claro, tenho de lavar.
Ao pequeno-almoço, verifiquei que o sumo de laranja natural tem um inconveniente. É preciso lavar sempre o espremedor.
Alteração possível: fazer sumo para dias.
Assim só tenho metade do trabalho.
Descoberta: posso aquecer salsichas dentro da sopa. Menos uma panela para lavar.
É claro que não pretendo aspirar todos os dias, como a minha mulher queria.
De dois em dois dias é mais que suficiente. O segredo está em andar de chinelos e limpar as patas do cão.
Quanto ao resto sinto-me optimamente.

Quarta-feira

Tenho a impressão de que afinal a lida doméstica leva mais tempo do que pensava. Preciso de repensar a minha estratégia.
Primeiro passo: comprei um saco de comida rápida. Não tenho de perder mais tempo com cozinhados.
É um disparate perder mais tempo com a comida do que comê-la.
A cama é outro problema. Primeiro é preciso sair de dentro do edredão, a seguir arejá-lo e por fim fazer a cama. Que complicação!
Acho que não vale a pena fazê-la todos os dias, sobretudo porque nessa mesma noite voltarei a deitar-me. Parece-me inútil.
Deixei de fazer refeições complicadas para o cão. Comprei algumas de lata.
Ele fez má cara, mas não teve outro remédio senão comê-las. S
e tenho de arranjar-me com refeições pré cozinhadas, ele não é mais do que eu.

Quinta-feira

Acabou-se o sumo de laranja! Como é que um fruto aparentemente tão inocente causa tamanha confusão? É inacreditável!
Vou passar a comprar sumo engarrafado pronto a beber.
Descoberta: consegui sair da cama quase sem a desfazer.
Basta-me depois alisar ligeiramente a roupa. Claro que é preciso uma certa prática, e não me posso mexer muito durante o sono.
Doem-me um bocado as costas., mas nada que um bom duche quente não possa resolver.
Deixei de fazer a barba todos os dias. É uma perda de tempo.
Assim, também, ganho uns minutos preciosos que a minha mulher, como não tem de fazer a barba nunca perde.
Descoberta: não vale a pena usar um prato lavado de cada vez que como.
Lavar a loiça tantas vezes começa a dar-me cabo dos nervos. O cão também pode comer só numa tigela. Afinal, de contas é um animal.
Nota: cheguei à conclusão de que basta aspirar no máximo uma vez por semana.
Salsichas ao almoço e ao jantar.

Sexta-feira

Adeus sumos de fruta! As laranjas são muito pesadas.
Descobri o seguinte: as salsichas sabem bem de manhã. Ao almoço nem por isso. Ao jantar, nem vê-las.
Salsichas mais de dois dias seguidos enjoam.
O cão, esse, está a comida seca. Afinal de contas tem os mesmos nutrientes, e não suja a tigela. Descobri que posso comer a sopa directamente da panela.
Sabe ao mesmo nem tigela nem concha.
Assim já não me sinto tanto como uma máquina de lavar a louça.
Já não lavo o chão da cozinha. Irritava-me tanto como fazer a cama.
Nota: acabaram-se as latas. O abre-latas fica todo pegajoso!

Sábado

Que ideia é esta de me despir à noite se tenho de voltar a vestir-me de manhã? Aproveito mas é o tempo para ficar mais um bocadinho na cama.
E também não preciso de colcha, por isso a cama está sempre feita.
O cão encheu tudo de migalhas. Pu-lo na rua de castigo. Não sou criado dele!
Que estranho. De repente, dei-me conta de que é o que a minha mulher me diz às vezes?
Hoje é dia de fazer a barba, mas não me apetece nada. Tenho os nervos em franja.
Ao pequeno-almoço, só as coisas que não seja preciso desembrulhar, abrir, cortar polvilhar, cozinhar sem misturar. Tudo coisas que incomodem.
Plano: comer directamente do saco em cima do fogão.
Nem pratos, nem talheres nem toalha, nem nenhum disparate desses.
Tenho as gengivas um bocado inflamadas. Deve ser a falta de fruta, que é muito pesada para carregar? Se calhar, estou com princípio de escorbuto.
A minha mulher telefonou à tarde a saber se tinha lavado as janelas e posto a roupa a lavar. Desatei a rir meio histérico.
Disse-lhe que não tinha tempo para essas coisas.
Há um problema com a banheira. Está entupida com esparguete.
Também não estou para me chatear. Não me incomoda muito porque deixei de tomar duche. Nota: o cão e eu comemos juntos directamente do frigorífico. Tem é de ser depressa.
Não convém deixar a porta aberta muito tempo.

Domingo

O cão e eu estamos sentados na cama a ver televisão. Vemos pessoas a comer todo o tipo de iguarias. Salivamos os dois.
Ambos estamos fracos e rabugentos.
Esta manhã comi da tigela do cão.
Nenhum de nós gostou.
Precisava de me lavar, barbear, pentear, fazer comida para o cão, limpar a casa ir às compras e uma série de outras coisas, mas não arranjo forças.
Sinto que estou a perder o equilíbrio e que a vista me está a faltar. O cão deixou de abanar a cauda.
Num último reflexo de sobrevivência arrastámo-nos até um restaurante.
Durante uma hora, comemos toda a espécie de pratos óptimos.
Em seguida, fomos para um hotel. O quarto é limpo, arrumado e confortável.
Descobri a solução ideal para o governo da casa.
Não sei se a minha mulher já se terá lembrado disso.

FIM


8 Comments:

At 12:49 da tarde, Blogger anamoris said...

Genial, Chaparro!!!
Que grande homenagem a todas as Mulheres!
Realmente e infelizmente nós somos insubstituiveis nas vossas vidas.

 
At 2:22 da tarde, Blogger Inha said...

Pois é, não é? Elas não matam mas moem!!! Olarilas!:D)))))


BeijInha

 
At 5:21 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Pena não ter descoberto isso há 2 anos! É que nessa altura também eu...

 
At 6:59 da tarde, Blogger mjoaomonterroso said...

Nem todas as mulheres têm vocação... EU DETESTO... e por isso na minha casa tarefas divididas com mas sendo que eu faço menos que ele...
Não somos extremistas, cá em casa à cama puxa-se as orelhas e os pratos vao pa loiça e a comida ja vem feita-quase sempre....
continuas a por bons temas
beijinhos

 
At 7:10 da tarde, Blogger Miguel said...

Isso é o manual de instruções para a limpeza da casa!?

Obrigadão!

Bjks da Matilde

PS: O nosso socio marinheiro fez um ano de blog!

 
At 10:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

LOL
sim senhor, bom post!
P.S. O meu blog voltou, yupy!
Bjo

 
At 2:20 da manhã, Blogger pinky said...

hahahaha....esta está do melhor! só passando pelas coisas se lhes dá valor...

 
At 12:45 da manhã, Blogger Serenity said...

Cá em casa até o puto com nove anos faz a cama dele, arruma o quarto, ajuda a por a mesa e quando estamos no campismo até a loiça lava que eu cá não sou criada de ninguém....

 

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